Era só mais
um dia em que o ia visitar, olhar, escutar… Isso pensava eu enquanto caminhava
mais uma vez até ao seu encontro.
Parecia estar tudo super normal, as pessoas na rua com as suas preocupações e
distracções, mandando um olharzinho ou outro ao verem-me caminhar a passo largo
pela estrada, um carro a mais velocidade do que devia. Também já estava a
escurecer, quase noitinha mesmo.
“Tenho a sensação que me esqueci de algo…”, pensava enquanto caminhava com os
fones nos ouvidos. Abri a mochila, lenços, telemóvel, chicletes para refrescar
o hálito da menina apressada, preservativos, vibrador… Estou só a brincar!
Esquecendo as últimas duas coisinhas que disse e continuando, carteira, bilhete
para entrar no parque… Enfim, acho que tinha tudo na mochila.
Dei por mim já perto do parque, repleto de gente mais velha e pequenos grupos
de crianças bonitas, ou melhor, adolescentes. Um sorrisinho aqui, outro ali,
era só gente conhecida. Mas não ia estar a cumprimentar aquelas pessoas todas,
já me tinha atrasado que chegue a arranjar o cabelo. Sim, porque ele vai para
dezassete diferentes direcções e deu um trabalhão para o pôr perfeito como
está.
Na roda da Nina já conseguia ver o meu grupo de amigos a acenar e a rir,
provavelmente alguém tinha dito asneira, só para não variar. Aquelas coisas
lindas saltaram-me em cima e saíram-me um montão de palavrões boca fora por
causa de me estarem a despentear. Eles punham-me em atrito completo, mas
amava-os com tudo o que tinha. Eram os meus melhores amigos.
Como sempre ele ficou à beira dos amiguinhos mais próximos dele, porque não
gosta de muita confusão. Depois de me recompor, cumprimentei as meninas todas e
fui aos meninos. Entrei em transe quando lhe ia a dar dois beijinhos e levei
uma palmada no rabo de alguém. Dei um sorrisinho leve, corando um pouco e lá
dei os tais beijinhos, super demorados. Eu sabia que ele adorava aqueles, e
nenhuma outra rapariga do grupo se atrevia a fazer o mesmo nele, pelo menos à
minha frente.
Levantamo-nos e fomos para a beira do palco, o concerto estava mesmo a começar
e nós ainda nem lá estávamos. A nossa sorte é que tínhamos amigos que
trabalhavam na organização daquilo e nos puseram mesmo na linha da frente.
Sorte a nossa.
Estavam todos felizes e contentes das suas vidinhas, a cantar super alto,
quando me lembrei do que me tinha esquecido. Hoje era um dia muito importante,
no final do concerto ele ia falar comigo e eu ia-lhe dar um envelope com um
textinho feito por mim e uma fotografia nossa. Mas ao que parece vou ter de me
lembrar do que lá dizia e dizer-lhe cara a cara. Deu-me a breca só de pensar
nisso.
Ele estava tão lindo! Uma camisa de manga curta, azul esverdeado, calças
simples, nada de ganga ou isso e umas vans da mesma cor que a camisa. Com o
cabelo ele já não podia fazer nada, eu tinha-lhe rapado à meia semana a pedido
dele. E devo dizer que só o torna mais gato. Digamos que camisa e rapazes
carecas ou cabelo curto faziam muito o meu género.
Olhei-o discretamente e vi que me olhava. Toda a gente aos gritos e saltos, e
nós dois ali, parados no meio da multidão absorvida pela música. Comecei-me a
aproximar dele e ele fez o mesmo na minha direcção. As mãos dele foram parar à
minha cintura e os meus braços enrolaram-se no seu pescoço. Estávamos a dançar
agarrados, como se a música fosse lenta, mas era exactamente o contrário,
música bastante agitada.
Dei por mim perdida no seu olhar calmo, com ambas as respirações agitadas e
pelo menos o meu coraçãozinho estava a dar cambalhotas, a fazer o pino e montes
de piruetas. Estava completamente em transe naquele rapaz.
O meu rosto foi parar ao seu pescoço e respirei fortemente o seu perfume que me
deixava louca. Lembrei-me de cada momento que tive com ele. Na minha cabeça
passava tudo à velocidade da luz, deixando escapar um sorriso.
Ele pegou no meu queixo com a mão e pô-lo mesmo em frente ao dele, sendo ele
mais alto uns meros centímetros que eu. O que estava a acontecer? Afinal era
agora que o ia beijar? Ainda me estava a preparar mentalmente para isso
acontecer, mas só depois do concerto. Que raios, perdi-me.
Quando dei por ela já o estava a beijar, de uma forma tão doce e ternurenta, de
forma que nunca nenhum outro rapaz me soube beijar. Também, ele era, é e sempre
vai ser especial e diferente de todos os outros rapazes. Ele já fazia parte de
mim, mesmo não estando sempre comigo. E de certa forma, ele sempre foi o meu
melhor amigo. Tantas foram as vezes que lhe ligava só para fazer companhia na
beira da estrada em frente à minha casa, ou de tantas outras em que ele estava
mal por causa de problemas com o irmão ou raparigas. E de todas essas vezes,
era ele que me limpava primeiro as lágrimas, pois eu chorava só de ouvir o que
ele me contava.
Ele é perfeito à sua maneira, faz-me rir sem motivo, chorar de felicidade. E
eu? Eu trato-o como um verdadeiro príncipe, príncipe que gosta dos meus
beijinhos demorados na bochecha, das vezes que lhe passo a mão pela careca ou
curtos cabelos, das vezes em que combino uma saída a dois ou o roubo do grupo
só para lhe dar um abracinho.
E neste momento estava a beijar o meu príncipe, que se separou levemente de mim
e me pediu em namoro. As palavras bonitas iriam ficar para depois, porque lhe
sussurrei um “sim” meigo ao ouvido, dando-lhe um abraço e mais um beijo. Um
beijo demorado, o nosso primeiro beijo enquanto namorados.
Ele é o meu príncipe, o meu príncipe encantado.
Ana Coelho, 17-01-1997*